Crescemos a ouvir que a honestidade é a base de qualquer relação saudável. Que a verdade liberta, que mentir é trair a confiança, e que esconder algo é minar a ligação. Mas à medida que fui acumulando histórias - minhas e dos outros - comecei a desconfiar que talvez a honestidade absoluta seja mais romântica na teoria do que na prática. Porque, se olharmos de perto, as relações mais estáveis não vivem da verdade inteira... mas de verdades selecionadas.
Pensemos nos pequenos silêncios: o "não está nada" quando claramente está, o "gosto imenso da tua família" dito com um sorriso polido ao sair de um jantar insuportável, o "claro que não me importo" enquanto secretamente já estamos a arquivar a mágoa para mais tarde. Não são mentiras no sentido criminoso, mas são omissões estratégicas - edições necessárias para manter a paz. Porque, no fundo, qualquer relação é também um exercício de gestão de informação.
E se formos mais fundo, percebemos que até as grandes paixões têm uma certa coreografia de ilusões. Fingimos não reparar em defeitos para prolongar a fase do encanto. Damos respostas mais doces do que sinceras para evitar discussões. E escolhemos cuidadosamente que versão de nós mostramos - não é que a outra não exista, mas sabemos que ela não encaixaria bem no enredo. No início, chamamos a isso "respeito pelo espaço do outro". Mais tarde, chamamos "evitar problemas".
A mentira, no contexto certo, é como o verniz de uma mesa antiga: não é a madeira, mas protege-a. O problema é quando começamos a confundir o verniz com a própria mesa. Porque há relações que sobrevivem anos a fio sem nunca enfrentar a verdade crua - e funcionam. Pelo menos até alguém decidir que prefere viver sem filtros.
E não falo só de romances. As amizades também dependem desse pacto silencioso. Fingimos estar sempre disponíveis, interessamo-nos por histórias que já ouvimos, evitamos dizer que não gostamos do novo namorado, não porque somos falsos, mas porque aprendemos que a verdade absoluta tem o péssimo hábito de destruir bons serões.
Talvez por isso eu ache que "a mentira é a base de todos os bons relacionamentos" não é um insulto à sinceridade, mas um reconhecimento da fragilidade humana. Queremos ser amados, e para isso não mostramos sempre tudo. A verdade nua é um luxo que poucos corações sabem receber sem fechar as portas.
No fim, a mentira certa, na dose certa, é como o tempero: não substitui o prato, mas torna-o mais fácil de engolir. E se for essa a condição para manter um amor ou uma amizade a respirar, talvez o problema não seja mentir... mas admitir que a verdade total nunca foi o que nos manteve juntos.
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