Lisboa à Queima-Roupa — "A arte de gostar de quem não gosta de nós..." [🦅Arda #8🦅]

 

  

"Trabalho arduamente e deixo o resto nas mãos do destino"

Houve uma altura em que pensei que amar alguém que não nos ama de volta era uma espécie de falha de carácter. Como se fosse sinónimo de baixa autoestima, carência, ou, pior ainda, falta de opções. Mas depois comecei a reparar numa coisa estranha: as pessoas mais interessantes que conheci - as mais bonitas, inteligentes, decididas - também tinham, algures no histórico, uma ou duas parxões não correspondidas. Às vezes até mais dramáticas do que as minhas. E percebi: isto não é um defeito. É um vício. Uma arte, Uma especialidade emocional que alguns de nós desenvolvem com uma destreza que devia dar direito a diploma.


Há algo deliciosamente viciante em gostar de quem não nos quer. É como um puzzle emocional que juramos que vamos conseguir montar, se insistirmos só mais um bocadinho. Basta a resposta certa. A conversa que finalmente nos valida. E, quando não vem, dizemos a nós próprios que é timing. Que ele está ocupado. Que ele está confuso. Que ele não sabe o que sente. Como se amar-nos fosse uma equação complicada, uma equiação para a qual só ele tem a fórmula... e, por algum motivo, não a quer aplicar.


Gostar de quem não gosta de nós dá-nos um tipo especial de adrenalina. Há sempre uma mensagem para interpretar, um silêncio para analisar, uma esperança para alimentar. Tornamo-nos peritos em traduzir a ausência - e quando finalmente recebemos migalhas, sentimo-nos como se tivéssemos ganho o Megasena dos afetos. Esquecendo, claro, que aquilo que estamos a celebrar são... migalhas.

E assim lá vamos nós, como figurantes em filmes que escrevemos na nossa cabeça, a investir tempo, energia e emoção em pessoas que, no fundo, não fazem assim muita questão de nós. E, no entento, lá ficamos. Porque o desinteresse deles... brilha. É atrativo. Mistura-se com a nossa insegurança e cria essa ilusão de desafio. E nós adoramos um bom desafio.


Mas há um momento - geralmente ao fim de um domingo solitário, com um copo de vinho meio vazio na mão e a autoestima a fazer refresh - em que percebemos que a arte de gostar de quem não gosta de nós é, acima de tudo, uma forma muito sofisticada de não nos amarmos a nós.

E talvez seja isso que custe mais a admitir. Que enquanto nos perdemos em narrativas de rejeição e em sonhos mal correspondidos, não temos de lidar com a parte mais difícil de todas: escolher-nos. Mesmo quando mais ninguém o faz.

Comentários

  1. TERAPIA NELES. Brincadeiras a parte, acho que a prática de só gostar de pessoas inalcançáveis é quase como relações parassociais, é conseguir alimentar sua necessidade por amor sem realmente arriscar nada

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  2. "a arte de gostar de quem não gosta de nós é, acima de tudo, uma forma muito sofisticada de não nos amarmos a nós." não poderia concordar mais

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  3. As entradas do Arda tem servido para eu compreender até mesmo os meus próprios sentimentos

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